23 de jul. de 2014

DESPEDIDA



Vós não estais encerrados em vossos corpos, nem confinados em vossas casas ou campos.
O vosso ser habita sobre as montanhas e vagueia sobre o vento.
Não é uma coisa que rasteja ao Sol para se aquecer, ou escava buracos na escuridão para se proteger, mas é algo livre, um espírito que envolve a terra e se move no éter.
Se essas forem palavras vagas, nâo procurais esclarecê-las.
Vago e nebuloso é o começo de toda as coisas, mas não o seu fim.
E eu prefiro que vos lembreis de mim como de um começo.
A vida, e tudo que vive, é concebido na bruma, e não no cristal.
E quem sabe se o cristal não é a bruma em decomposição?
Ao lembrardes de mim, gostaria que lembrassem disso:
Aquilo em vós que parece mais fraco e perdido, é o mais forte e mais determinado.
Não foi vosso alento que construiu e solidificou a estrutura de vossos ossos?
E não foi o sonho que nenhum de vós lembra de ter sonhado, que construiu vossa cidade e modelado tudo o que está nela?
Pudésseis antes ver as marés dessa respiração, deixaríeis de ver tudo o mais, e pudésseis ouvir o murmúrio do sonho, deixaríeis de ouvir qualquer outro som.
Mas vós não vedes nem ouvis, e isso é bom.
O véu que tolda vossos olhos será levantado pelas mãos que o teceram.
E o barro que tapa vossos ouvidos será removido pelos dedos que o amassaram.
E então vereis.
Então ouvireis.
E todavia não lamentareis ter conhecido a cegueira, nem sentireis teres sido surdos.
Pois nesse dia conhecereis o propósito oculto de todas as coisas;
E abençoareis as trevas como abençoais a luz.


Adeus, povo de Orphalese.
Este dia já se foi.
Fecha-se sobre nós como o nenúfar sobre seu próprio amanhã.
O que foi-nos dado aqui, nós conservaremos.
E se não for o suficiente, mais e mais vezes estaremos juntos, e juntos estenderemos nossas mãos para o doador.
Não esqueçais que eu voltarei para vós.
Mais um curto momento, e minha saudade apanhará pó e espuma para outro corpo.
Mais um curto instante, um rápido momento de descanso sobre o vento, e outra mulher me conceberá.
Adeus para vós e para a juventude que vivi entre vós.
Foi apenas ontem que nos encontramos em um sonho.
Cantastes para mim em minha solidão, e eu construí, com vossa nostalgia, uma torre no céu.
Mas agora nosso sono se foi e nosso sonho desvaneceu, e já não é o alvorecer.
O pleno meio-dia está sobre nós, e nossa sonolência tornou-se dia pleno, e devemos nos separar.
Se no crepúsculo da memória nos encontrarmos novamente, de novo conversaremos, e cantareis para mim uma canção mais profunda.
E se nossas mãos se encontrarem em outro sonho, construiremos outra torre no céu.


O profeta

Gibran Khalil Gibran

Capa

O profeta é uma maravilhosa viagem espiritual através de um dos grandes clássicos do século XX. Foi escrito em inglês e traduzido em 40 idiomas. É um conjunto de meditações sobre temas universais como o amor, a morte, a família e a esperança. Gibran Khalil Gibran nasceu em 6 de dezembro de 1883, no Líbano. Aos onze anos emigrou para a América com a família. Por muitos anos ganhou a vida como pintor. Em 1923, foi publicada sua obra-prima, O profeta. Foi um sucesso imediato, e as vendas nunca caíram. Khalil morreu em 1931 de insuficiência hepática e tuberculosa incipiente, mas o autor nunca perdeu a paixão pelo Líbano, onde foi enterrado.
 
 

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