Três Preceitos Iniciais:
- Buda.
- Dharma
- Sangha.
Três Preceitos Puros:
- Evitar cometer atos maus.
- Fazer o bem.
- Acudir e beneficiar todos os seres.
Dez preceitos das ações perniciosas:
- Não tirar a vida.
- Não roubar.
- Não se deixar levar por arroubos sensuais.
- Não mentir.
- Não tomar bebida inebriante.
- Não falar do defeito dos outros.
- Não elogiar a si mesmo e nem caluniar os outros.
- Não ter vaidade em praticar o Dharma.
- Não alimentar a raiva.
- Não maldizer os Três Tesouros.
- Buda.
- Dharma
- Sangha.
Três Preceitos Puros:
- Evitar cometer atos maus.
- Fazer o bem.
- Acudir e beneficiar todos os seres.
Dez preceitos das ações perniciosas:
- Não tirar a vida.
- Não roubar.
- Não se deixar levar por arroubos sensuais.
- Não mentir.
- Não tomar bebida inebriante.
- Não falar do defeito dos outros.
- Não elogiar a si mesmo e nem caluniar os outros.
- Não ter vaidade em praticar o Dharma.
- Não alimentar a raiva.
- Não maldizer os Três Tesouros.
Os Preceitos de Bodisatva
Monja Coen Sensei
Perspectivas literal, subjetiva e intrínseca.
Tanto nas escolas Rinzai quanto Soto do Zen, o estudo detalhado dos
preceitos ocorre ao término do treinamento formal. Os estudantes de
koans da escola Rinzai podem se preparar constantemente, por até dez
anos, antes de começarem a estudar koans sobre os preceitos (ou vinte ou
trinta anos, se a preparação não for contínua). Similarmente, na escola
Soto, o estudo detalhado dos preceitos ocorre quando o aluno está
chegando ao fim do treinamento formal.
Em minha linhagem, o exame
detalhado dos preceitos envolve o estudo dos dezesseis preceitos de
Bodisatva bem como dos comentários feitos sobre eles por Bodidarma (que
trouxe o Budismo da Índia para a China) e por Dogen. O estudo inclui 150 a 200 koans que tratam especificamente dos preceitos como formulados pelo professor Soto, do século XX, Daiun Harada Roshi.
Mesmo que, na abordagem tradicional, o estudo dos preceitos ocorra
mais ao fim do que no início da preparação dos estudantes, devemos
recordar que os preceitos são parte do sangue e da medula do treinamento
do monge Zen, implicitamente presentes em cada aspecto da prática. De
fato, a vida monástica é estruturada de tal forma que as atividades
diárias incorporam esses preceitos. Além disso, os monges Zen japoneses
leem muito sobre os preceitos antes de estudá-los formalmente; o número
de livros japoneses sobre o tema é extenso!
Por isso acredito que, no Ocidente, onde a maioria dos praticantes
Zen não é monástica, devemos estudar e discutir os preceitos no começo
do estudo formal em vez de no final, mantendo o hábito de retornar aos
mesmos enquanto nossa prática amadurece. Ao fim podemos fazer um estudo
mais formal dos preceitos, porém é importante que estes se tornem parte
de nossa medula, de nossa essência e de nossa vida desde o início.
E por que, no Japão, considera-se inapropriado o estudo dos preceitos
nos primeiros estágios da prática? Porque, a princípio, o praticante
não tem a chamada sabedoria fundamental ou um insight penetrante sobre o vazio que lhe permita ver ou apreciar facilmente os preceitos de um ponto de vista intrínseco.
Na época de Xaquiamuni Buda, as regras ou linhas diretivas que
governavam as ações da sanga se desenvolviam de uma maneira orgânica,
específica, em resposta a determinadas situações. Geralmente, para cada
regra formulada por Xaquiamuni Buda, havia uma situação concreta
correspondente. Por exemplo, naquela época, o algodão era um tecido caro
e luxuoso[1].
Os monges mendicantes eram sempre convidados a visitar os lares dos
leigos que se desdobravam para conseguir lhes oferecer camas e
travesseiros de algodão. Já que se pressupunha que os monges deveriam
levar uma vida muito simples e não se considerar como seres especiais,
Xaquiamuni Buda formulou uma regra contra o uso do algodão. O propósito
geral de todas as regras era promover a harmonia da sanga.
Entretanto, quando essas regras foram transportadas de cultura para
cultura através dos séculos, a tendência foi cada vez mais esquecer seu
contexto original. Assim, indicações, que começaram relativas,
situacionais, acabaram se tornando normas absolutas, obrigatórias. Outra
consequência dessa assimilação cultural foi uma divisão entre as
comunidades leigas e monásticas. Tornou-se comum, em determinadas formas
de Budismo, somente os monges receberem a série completa de preceitos
enquanto os praticantes leigos recebiam uma série bem menor. Além disso,
em estágios diferentes da vida monástica, os monges passaram a receber
grupos diferentes de preceitos tirados da série completa. Em algum ponto
na história da seita Zen, a transmissão da série completa de preceitos
aos monges foi interrompida. Em vez disso, passaram a ser transmitidos
os agora chamados Preceitos de Bodisatva, dados tanto a leigos quanto a
monásticos.
Esses dezesseis Preceitos de Bodisatva diferem significativamente, em
espírito e intenção, daqueles da série de regras originais
desenvolvidas nos dias de Xaquiamuni Buda. Em vez de prescrever regras
de conduta, eles descrevem os vários aspectos que nos constituem
fundamentalmente. Por essa razão, é impossível transgredi-los em
essência; de fato, não tem sentido falar de transgressão. Todavia,
quando nós os estudamos, parece impossível não transgredi-los. Ambas as
afirmativas são verdadeiras. Torna-se necessário apenas estabelecer uma
distinção entre transgredi-los, por um lado, e quebrá-los, por outro.
Pegue um copo e pense nele como sendo os preceitos. A cada momento
nós o sujamos, turvamos, deixamos manchas no vidro. Por quê? Porque nós o
utilizamos! Mesmo se o deixarmos de lado, sem usá-lo, ele ficará sujo.
Transgredir os preceitos é sujar o copo pelo uso; quebrá-los é
deliberadamente despedaçar o vidro. Nós dizemos que, a não ser por um
completo colapso nervoso ou suicídio, nada quebra os preceitos, apenas
os transgride. Tudo, exceto a real autodestruição, implica somente uma
transgressão que constantemente reparamos ao limpar o copo.
Deixe-me falar sobre três maneiras de olhar os preceitos e assim
explicar porque nós não podemos transgredi-los, embora a cada instante o
façamos. São três as maneiras de olhar os preceitos: a literal, a
subjetiva e a intrínseca (a natureza-buda). Da perspectiva literal, é
simplesmente proibido desobedecer qualquer dos preceitos por qualquer
razão, independente do contexto ou das circunstâncias cambiantes. Por
exemplo, consideremos a regra de que um monge não deve sentar ou dormir –
ou mesmo ficar em pé – sobre qualquer objeto de algodão. Certa vez um
monge budista Theravada visitou o Zen Center de Los Angeles. Como ele
observava essa regra, nós removemos tudo que era feito de algodão do
centro, incluindo as almofadas e esteiras que usávamos para meditação.
Da perspectiva literal, o que fizemos foi absolutamente necessário; não
havia razão ou desculpa para não concordar com a remoção. Tal espírito
de obrigação incondicional e de obediência caracteriza a perspectiva
literal. De seu ponto de vista, cada um dos dezesseis preceitos expressa
um mandamento realmente obrigatório.
Não é o mesmo caso, porém, das perspectivas subjetiva e intrínseca. A
perspectiva subjetiva tem dois aspectos: a compaixão e um sentido mais
ou menos intuitivo de retidão e do que é apropriado. Já que compaixão
aqui significa o funcionamento da sabedoria prajna, esse aspecto depende
da profundidade da realização do praticante, o que também salienta sua
habilidade de determinar intuitivamente o certo ou o errado em uma dada
situação ou circunstância. Dessa perspectiva, a agitação e o
aborrecimento causados pela acomodação do monge Theravada, em razão de
todo aquele esforço estar sendo feito apenas para uma pessoa e de o
algodão não ser mais um item de luxo, tudo teria que ser levado em
consideração antes da tomada de qualquer atitude.
A terceira perspectiva é a intrínseca, a que expressa o ponto de
vista do estado do vazio, o reino da unicidade. Desse ponto de vista, é
impossível transgredir qualquer dos preceitos porque não há algo chamado
preceitos nesse reino (ou qualquer outra coisa, aliás). Não há aspectos
da vida, há somente o Corpo Único da vida em si mesma, desprovido de
qualquer traço de multiplicidade, mas nunca o mesmo a cada instante. Não
há diferença entre o algodão e qualquer outro produto, não há distinção
entre luxuoso e não luxuoso. Não há distinções em absoluto no estado do
vazio.
O problema é que supostamente deveríamos manter os preceitos a partir
de todas as três perspectivas ao mesmo tempo, sem fazer escolhas entre
uma ou outra. Do ponto de vista intrínseco, não há como transgredir os
preceitos; do ponto de vista literal, quase não há como não
transgredi-los. Parece impossível manter as três perspectivas de modo
simultaneo, a não ser permanecendo plenamente no estado de unicidade.
De fato, a forma como podemos evitar as transgressões aos preceitos é
pela “expiação” das mesmas, penetrando no estado de não-separação.
Da perspectiva intrínseca, dizemos que os dezesseis Preceitos de
Bodisatva podem ser condensados no primeiro: Seja Buda, Seja o
Iluminado, esteja em harmonia (seja em-um). Este primeiro preceito então
se desdobra nos Três Tesouros:
Seja Buda.
Seja o Darma.
Seja a Sanga.
Os Três Tesouros são o fundamento ou a manifestação da fonte de nossa vida.
Em seguida, vem os Três Preceitos Puros:
Evitar o mal.
Fazer o bem.
Fazer o bem aos outros.
Eles são chamados o Corpo dos Três Tesouros. Os Preceitos Puros,
quando desdobrados, tornam-se os Dez Preceitos Graves, que são o
funcionamento do corpo dos Três Tesouros.
O propósito do estudo dos preceitos consiste em aprofundar nossa
consciência sobre os diferentes aspectos de nossas vidas e sobre o fato
de que sujamos o copo o tempo inteiro. Como resultado, somos guiados no
sentido de cuidar melhor do copo. As razões ou causas pelas quais o copo
fica sujo não são necessariamente uma questão de certo ou errado nem,
no fim das contas, tão importantes quanto limpar o copo. Quando
estudamos os preceitos, nosso entendimento de – e gratidão por – tudo
envolvido no processo de sujar e limpar o copo é aprofundado e
desdobrado. Essa é a razão pela qual se dá ênfase à limpeza em um
monastério Zen. Não importa se achamos que algo está de fato limpo ou
sujo; simplesmente limpamos! A limpeza continua constantemente. Nessa
lida, o estudante Zen acaba por se tornar o processo de limpeza, mudando
inevitavelmente em sua relação consigo mesmo, com seu meio-ambiente e
com as pessoas que encontra. Entretanto, embora sempre presente desde o
começo da prática, o processo de limpeza convive, ao mesmo tempo, com o
desenrolar dos eventos cotidianos que tornam a vida igualmente uma
bagunça constante. É interminável. Nunca alcançamos o ponto de não mais
precisar limpar o copo.
O ato de limpar – literal ou metaforicamente - é um dos pontos mais
importantes no estudo Zen dos preceitos. Lavamos os pratos e daqui a
pouco ganhamos uma nova pilha deles para lavar. Nunca termina! A
consciência desse processo, porém, não produz passividade ou
paralisação, levando as pessoas a deixarem os pratos se amontoarem na
pia. Olhamos para a bagunça se formando e partimos para a ação. Momento
a momento, as circunstâncias nos empurram, para fora dos esquemas de
auto-organização que temos em mente, e nos fazem funcionar em meio ao
caos. Como agir? Agindo simplesmente!
Os Três Tesouros e os Três Preceitos Puros
Os três primeiros preceitos, que são os Três Tesouros, podem ser traduzidos de várias formas. Eu os traduzo como:
Os três primeiros preceitos, que são os Três Tesouros, podem ser traduzidos de várias formas. Eu os traduzo como:
Seja Buda.
Seja o Darma.
Seja a Sanga.
Quando meu mestre, Taizan Maezumi Roshi, e eu trabalhamos na tradução
dos Três Tesouros, para a cerimônia de recebimento dos preceitos,
ponderamos qual seria a melhor tradução para o verbo “ser” na enunciação
dos três primeiros preceitos: se na forma imperativa “seja” ou no
gerúndio “sendo”. Decidimos, então, que o oficiante diria “Seja Buda,
Seja o Darma, Seja a Sanga” e que a pessoa iniciante responderia “Sendo
Buda, Sendo o Darma, Sendo a Sanga”. Outras traduções aceitáveis são
“prestando tributo a Buda” ou “refugiando-se em Buda”.
Do ponto de vista intrínseco, a tradução apropriada seria “sendo
Buda”, pois desde o início já somos o próprio Iluminado. Precisamos
descobrir e experimentar essa realidade e, mesmo sem sucesso, devemos
tê-la sempre em mente.
Da perspectiva intrínseca, não se pode vir a ser Buda. “Seja Buda”
reflete o ponto de vista experimental. Você tem que entender que é Buda.
Sendo Buda, temos que nos tornar Buda, temos que aprofundar nossa
compreensão dessa natureza até que não tenhamos mais um conceito sobre
ser o Iluminado. Uma vez que se tenha experimentado esse estado, “sendo
Buda” e “Ser Buda” se fundem.
Há três formas diferentes de olhar para os Três Tesouros. A primeira
consiste no Corpo Único dos Três Tesouros, refletindo a perspectiva de
que somos todos uma coisa só, constantemente mudando, evoluindo e se
desdobrando. Por exemplo, estamos caindo com e como a flor que se
desprende da árvore em Los Angeles. Da
perspectiva do Corpo Único dos Três Tesouros, Buda é o mundo do vazio.
Não se trata de uma espécie de espaço vazio, mas, ao contrário, do
universo inteiro; ou, em termos matemáticos, trata-se do conjunto
universal que contém ou é tudo que existe. Se esse conjunto universal
está pleno a ponto de transbordar com tudo que existe sem exceção, em
que sentido é vazio? No sentido de que contém toda a existência antes de
nomearmos os seres assim ou assado, completamente independente de todos
os conceitos, rótulos ou categorias. Se não houver conceitos, não
haverá forma de excluir qualquer coisa desse conjunto universal; isso é o
que o torna universal. Excluir algo requer a percepção, a consciência
de que algo é isso ou aquilo. Esse interesse compulsivo por discriminar
os objetos é o que nos mantém incapazes de compreender que nós somos o
conjunto universal. Para ser o conjunto universal indivisível precisamos
não-conceituar.
O Darma do Corpo Único dos Três Tesouros se constitui do mundo das
formas, dos fenômenos, da multiplicidade. Equivale a todas as formas
possíveis com as quais se pode classificar ou conceitualizar as partes
do conjunto universal. Ao olharmos para uma mandala, vemos uma imagem ou
modelo desse conjunto universal: no centro se encontra o Buda
Vairochana representando o mundo do vazio e disseminando, a partir de
seu centro, todas as formas possíveis. O centro se constitui de todas as
formas possíveis; todas as formas possíveis constituem o centro. Assim
ocorre porque o centro é um ponto sem dimensão. Sendo nada, não exclui
nada; excluindo o nada, é tudo.
A Sanga do Corpo Único dos Três Tesouros se constitui da harmonia
existente entre Buda e o Darma, a unicidade e a multiplicidade, o vazio e
a forma. Essa harmonia resulta do fato de que Buda e o Darma são a
mesma coisa. Eles são distintos e iguais simultaneamente. Então, quando
assumimos o compromisso de nos tornar o Buda, o Darma e a Sanga, estamos
nos comprometendo a ser tudo isso. Intrinsecamente, não há como não
sermos os Três Tesouros, mas, ao mesmo tempo, precisamos experimentar
essa realidade e tomar consciência dela. Não podemos nos contentar em
simplesmente dizer: “Eu sou Buda, então não há mais nada a fazer”. Nós
temos que assimilar o que são os Três Tesouros.
A segunda forma de olhar para os Três Tesouros é chamada Os Três
Tesouros Realizados (ou Manifestados). Nesse caso, Buda é Xaquiamuni
Buda, visto não como a figura histórica mas sim como a corporificarão da
consciência de que somos todos essencialmente seres iluminados. Quem
quer que seja iluminado é Xaquiamuni, a manifestação dessa consciência.
Ao não se dar conta dessa realidade, embora qualquer um possa
tranquilamente se chamar de Vairochana Buda (a representação da
iluminação original ou intrínseca), não poderá, da mesma forma,
chamar-se Xaquiamuni Buda (a realização da iluminação intrínseca).
O Darma dos Três Tesouros Realizados consiste nos ensinamentos do
Iluminado que geralmente se referem aos ensinamentos de Xaquiamuni Buda
como expressos nos sutras. Entretanto, em um sentido mais amplo, nós
também podemos falar sobre os ensinamentos de qualquer pessoa realizada
como o Darma dos Três Tesouros Realizados. A sanga dos Três Tesouros
Realizados se constitui dos discípulos do Iluminado que realizaram o
Caminho. Assim quando assumimos o voto de ser Buda, o Darma e a Sanga,
nós nos comprometemos a ser o Buda realizado, o Darma realizado e a
Sanga realizada.
A terceira forma de olhar para os Três Tesouros é chamada os Três
Tesouros Mantidos. Quando estudamos os Três Tesouros deste ponto de
vista, estudamos a importância da linhagem e da transmissão do Darma.
Embora, estritamente falando, não haja nada a transmitir, temos que
transmitir o Darma; essa é a prioridade número-um dos professores Zen.
Os Três Tesouros são mantidos pela continuidade da linhagem
intrinsecamente ininterrupta desde Xaquiamuni Buda até o presente. (A
linhagem de fato começa com os Sete Budas, anteriores a Xaquiamuni Buda,
há um tempo incalculavelmente distante!).
O Buda dos Três Tesouros Mantidos se refere a todas as imagens, fotos
e formas dos iluminados. Quando chegamos à sala de estudos e nos
deparamos com os retratos de nossos professores, entendemos que eles
também são parte de nosso compromisso de nos tornarmos o Buda dos Três
Tesouros Mantidos.
O Darma dos Três Tesouros Mantidos consiste em todos os teishos,
ou palestras Zen, de um mestre Zen. Teisho é uma palavra de difícil
tradução porque não se encaixa em nenhuma classificação apropriada.
Digamos que um teisho seja a fala de alguém iluminado. Os teishos
afastam as opiniões em vez de acrescentar novas ideias a nossa bagagem
de conceitos. O Darma nesse sentido inclui não apenas as falas como
também as ações dos iluminados.
A Sanga dos Três Tesouros Mantidos se refere a todas as pessoas que
se comprometem com o Caminho de Buda e praticam para realizá-lo.
Os Três Tesouros são importantes como a roda do leme que nos mantém no rumo certo.
Os Três Preceitos Puros são:
Evitar o mal.
Fazer o bem.
Fazer o bem aos outros.
“Evitar o mal” enfatiza não contribuir para o aumento da delusão no
mundo, sendo essencialmente uma forma passiva de olhar a vida. Por
contraste, “fazer o bem” enfatiza agir para o aumento da clarificação
espiritual no mundo, sendo, por isso, uma forma mais ativa de ver a
vida. “Fazer o bem” enfoca o que podemos fazer para melhorar nossa
própria situação. “Fazer o bem aos outros” aciona todas as esferas
aparentemente externas a nós mesmos. O primeiro e o segundo Preceitos
Puros lidam conosco e o terceiro com os outros.
Quando falamos do ponto de vista intrínseco, onde não há separação entre o eu e o outro, os três preceitos se fundem.
Toda a ação que fazemos pode ser encarada do ponto de vista dos Três
Preceitos Puros. Sempre podemos nos perguntar: o que estou fazendo,
exatamente agora, é mau ou me torna uma pessoa mais deludida? O que
estou fazendo, neste exato instante, melhora minha situação ou me traz o
bem? O que estou fazendo agora é bom para os outros? “Evitar o mal” me
diz para não fazer nada que possa vir a tornar uma situação mais
deludida. O que estou fazendo me ajuda a entender o significado da vida?
Essa questão se origina do ponto de vista do “Fazer o bem.” O que estou
fazendo ajuda as pessoas a entenderem o significado da vida? Essa
questão se origina do ponto de vista do “Fazer o bem aos outros.”
Vamos dar uma olhada na atividade da meditação Zen (Zazen) em termos
dos Três Preceitos Puros. Quando a vemos como um tempo que nos damos do
estresse da vida diária, nós a consideramos em termos de “Evitar o Mal”.
Quando a encaramos como uma terapia individual – para encontrar paz de
espírito, tranquilidade, descanso, etc. - nós a encaramos em termos de
“Fazer o Bem”.
Entretanto, é no “Fazer o bem aos outros” que reside a maior
importância do Zazen porque este progressivamente quebra a distinção
entre o eu e o outro. Trata-se de uma fonte de energia poderosa e
irrestrita que flui de forma natural e se estende infinitamente a todo o
universo. Não se pode tentar pará-la porque, se o fizermos, não se
tratará mais de prática Zen, já que o Zen equivale a toda a vida.
Aquelas pessoas que buscam no Zen algum tipo de santuário estão
implicitamente rejeitando a vida inteira e se contentando com apenas uma
parte dela onde possam se sentir à vontade. Temos que ser o Bodisatva
“praticando em profunda prajanaparamita”, o que significa abandonar
qualquer fantasia de descanso. Quando fazemos Zazen nos tornamos
conscientes de um centro sem forma – como o olho de um furacão – que é
extremamente calmo e, ao mesmo tempo, um redemoinho de tremenda
atividade abrangendo tudo. A energia do Zazen naturalmente nos leva além
dos preceitos “Evitar o mal” e “ Fazer o bem”, ambos restritos à esfera
do eu, para a esfera do “Fazer o bem aos outros”.
Um poeta chinês certa vez perguntou a um mestre Zen: “-O que é mais
importante no Budismo?” O professor respondeu: “-Evitar o mal e fazer o
bem.” O poeta disse: “-Até uma criança de três anos pode repetir essas
palavras.” O mestre replicou: “- Sim, mesmo uma criança de três anos
pode repetir essas palavras, mas até uma pessoa de oitenta anos ainda
acha difícil realizá-las.”
Frequentemente acontece de fazermos alguma coisa boa para nós –
porque nos ajuda a clarificar a compreensão do sentido da vida – que
pode não ser boa para os outros. Um exemplo é deixar nossas crianças se
virarem sozinhas pela manhã para que possamos nos sentar no zendo.
Precisamos sempre olhar para o que acontece da forma o mais objetiva
possível, sabendo, ao mesmo tempo, que, independentemente do lugar de
onde observamos, nunca veremos tudo com clareza suficiente.
Outra considerável fonte de conflito durante a prática tem a ver com
optar por evitar o mal sem entender que essa opção passiva pode
desrespeitar os outros Preceitos Puros que enfatizam a importância de se
fazer algo, não apenas sentar. O importante é ter em mente que cada
ação, cada decisão, deve ser encarada do ponto de vista de todos os três
preceitos. Não se trata de escolher um em detrimento do outro. Os três
estão simultanea e implicitamente presentes em qualquer ação ou decisão.
Trata-se de olhar o que ocorre tão claramente quanto possível,
sabendo ou não o que fazer. A total confiança em nossas ações e decisões
surge somente com a plena iluminação, então não podemos realisticamente
ter grandes expectativas a esse respeito. Além do mais, mesmo após o
surgimento da confiança plena, continuaremos a transgredir os preceitos.
A diferença da situação anterior é que perceberemos porque os
transgredimos. Vemos a forma pela qual cada ato se constrói,
conjuntamente com um intrincado conjunto de circunstâncias e condições, e
como a satisfação de uma ou mais perspectivas transgride algumas tantas
outras. Por essa razão, precisamos estar constantemente reparando
nossos erros, o que não significa autopunição. Significa, novamente,
tornar-se em-um (estar em harmonia), condição imprescindível para o
Zazen e para o aprofundamento da prajanapramita.
Fazer Zazen é ver a interconexão de toda a vida, de todo o Corpo
Único. É perceber como nosso sentar e tudo que fazemos afeta todo o
mundo e todas as coisas. No entanto, mesmo não conseguindo constatar
essa realidade, devemos pelo menos aceitar o fato de que ela existe.
Precisamos entender que o que chamamos eventos, pessoas ou objetos são
apenas relacionamentos e intersecções de fenômenos que refletem todas as
outras intersecções de fenômenos. Esse entendimento é o grande salto
que devemos dar em nosso sentar, com a certeza de que teremos sucesso
porque não somos nada além do que o próprio salto!
Tudo que fazemos, até dormir sozinhos no quarto com as luzes acesas,
afeta o todo o universo. Quando realmente nos conscientizamos disso,
nossa vida inteira muda. Compreender quem ou o que somos é compreender
que somos este Corpo Único. No momento em que nos conscientizamos disso,
tudo no Corpo Único é realizado. Então vemos quanto há para fazer
porque nossa perspectiva, inicialmente restrita ao eu, não está mais
limitada agora. Quando nos vemos como parte de tudo que existe,
percebemos o quanto há para ser feito. Limpar o copo é uma tarefa sem
fim, e é precisamente esse limpar interminável o que caracteriza o
estado do Corpo Único.
GLASSMAN, Bernard (Bernard Tetsugen). The Bodhisattva Precepts. In: Infinite Circle in Zen/Bernie Glassman. Tradução de Gozen Míriam Martinho. Boston, Massachussets: Shambhala Publications, Inc, 2002, p. 109-117.
Fonte:
http://www.monjacoen.com.br/textos-budistas/textos-diversos/345-os-preceitos-de-bodisatva
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